Metafísica do Absurdo
12.5.07
  De costas para o futuro ...em direção ao Eterno

Um dos maiores teólogos do século XX, Hans Urs von Balthasar, no prefácio da obra The Drama of Atheism Humanism, do não menos brilhante Henri de Lubac, escreve que no registro da modernidade, toda sentença que contenha a palavra “Deus” é automaticamente desprovida de valor, ou seja, que tal palavra esvazia qualquer pretensão de sentido para espíritos modernos. Hoje, poderíamos dizer que não só a palavra “Deus”, mas as palavras “Igreja Católica” estão fadadas ao mesmo destino. Parece impossível a priori que um discurso que se pretenda carregado de sentido, fale da Igreja como algo sério e que possa legitimamente representar uma forma válida (ainda hoje) de leitura do mundo.

É a partir desse pano de fundo, uma eclesioclastia reinante, que a esmagadora maioria de comentários da imprensa (grande e pequena) sobre a vinda do Papa ao Brasil se forma. Num primeiro momento, só interessam as informações pífias sobre o seu cardápio ou sobre os protocolos do Vaticano, como elementos excêntricos que despertam curiosidade e repulsa. Posteriormente, com um desejo de interpretação “profunda” dos fatos, a mídia se volta para estatísticas (números de católicos no país, quantos dos que se dizem católicos acolhem as falas do Papa etc.), historietas (da infância “nazista” do pontífice, de seu papel como Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé que seria um eufemismo para o Tribunal da Santa Inquisição ou então basta ver capas e capas de revistas desvelando toda a história secreta do Vaticano e da Igreja Católica que é tão secreta e obscura que qualquer trabalhinho de imprensa semanal coloca à luz). E assim se constrói o imaginário e se “enforma” a população para a recepção do Santo Padre (para não falar de alguns teólogos que, carregados de ranços, por ora vociferam contra e por ora o adulam...).
Para além daquilo que é obviamente problemático ao se adotar simplesmente esse tipo de discurso para se falar de qualquer assunto, há uma terceira esfera de “análise” do evento Bento XVI que pulula em alguns meios de comunicação que se pretendem mais sofisticados: a que versa sobre a validade das idéias de Ratzinger e da Igreja (sem terem lido uma linha sequer do que ele escreveu).
Assumo como exemplo a matéria principal da revista Carta Capital da última semana cuja capa exibe, sobre um fundo negro e vazio, a foto de Bento XVI de costas e aparentemente cabisbaixo com o grande título “De costas para o futuro”. Escolho tal matéria porque ela sintetiza todos os pontos acima apontados (contêm estatísticas, historietas e discurso sobre a validade das idéias da Igreja). O ponto alto da matéria está, a meu ver, já em sua primeira página:

“Em termos práticos, levando-se em conta os objetivos do Vaticano, o que a realidade mostrará a Bento XVI é que são questionáveis os resultados da moderna ‘contra-reforma’ que ele mesmo gerenciou ao longo de quase três décadas.”
O que a Igreja gostaria que a “realidade” entendesse, é que “futuro” por si só, não tem significado algum, e que este futuro que hoje nos é anunciado a partir de um presente egocêntrico, tende a ser fantasmagórico. Se como diz o então cardeal Ratzinger no documento Dominus Iesus, a Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo de batizar todas as nações em nome da Trindade e “ensinar-lhes a cumprir tudo quanto vos mandei” (Mt 28, 20), a “realidade” à qual a Igreja deve voltar-se é aquela divina, não importando a que ela dê as costas. Independentemente de se concordar com ela ou não, o que está em jogo aqui é uma coerência interna – bem há muito esquecido em nossos tempos esquizofrênicos e contraditórios – cujos pressupostos a própria Igreja não se enxerga no direito de tocar, posto que ela é apenas depositum fidei, depósito da fé e não sua proprietária.
Afastar-se da mera temporalidade é para a Igreja, gesto de Amor pela humanidade que se manifesta na tentativa de voltar a ela com o intuito de conformá-la ao Eterno – ou qual seria o sentido de “venha a nós o Vosso Reino”? - ao invés de simplesmente concordar com ela de forma displicente. É querer elevar, de fato, o homem à sua maturidade perante Deus, superando a condição da qual fala São Paulo, que tão bem diagnostica nossa contemporaneidade: “para que não sejamos mais crianças, joguetes da ondas, agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e da sua astúcia que nos induz ao erro.” (Ef. 4, 14).
Ora, não foi essa mesma a citação-chave feita por Ratzinger na missa de início do conclave?
*

Abaixo, alguns links relevantes:

Biografia de Bento XVI no site do Vaticano (em português)
Biografia de Bento XVI na Wikipedia (em portugês)
Lista Bibliográfica exaustiva e Reviews de livros de Bento XVI (em inglês)
Página da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé
Site Oficial da Visita do Papa ao Brasil
GF.

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20.3.07
  Vamos voltar a aparecer por aqui. 
25.2.06
 

Piet Mondrian, Composition



Buscar as "relações puras"...

G.
 
20.1.06
 
"Se é verdade que o Ser das coisas se manifesta e que podemos dar a conhecer essas manifestações por meio de imagens, eis o verdadeiro ser da angústia. Um velho, com o vigor e quase o ânimo mesmo do corpo, já devorado pelos anos e pelas provações que já se adivinham em cada uma de suas rugas, está postado ante o início de uma escada rolante de uma estação de metrô. Seu desejo é visivelmente o de pedir esmolas, apesar do impulso quase instintivo que o faz paramentar-se de um rôto terno bege, sob o qual procura abrigar e manter consigo sua dignidade. Mas a cada pessoa que se aproxima, o cansaço lhe sobe às temporas. Elas, como sempre, pessoas apressadas em existir, se dirigem à escada. Os olhos do velho vislumbram a nova oportunidade, apesar de a esperança já os terem consumido em boa parte a sua capacidade de enxergarem o mundo. Eis que uma pessoa se aproxima. O velho ensaia então seus passos desprezivelmente miúdos. A ansiedade, que a única coisa neste corpo que tomou proporções gigantestas, seca-lhe então a boca e acelera-lhe o coração. Quando então ele apronta a abordagem, carregada de sinceridade, aquela sinceridade que só conhecera quando criança e que vinha das respostas imediatas que às vezes o mundo concede, naqueles dias em que tudo fala a verdade, lembra-se então, de como algumas vezes tinha cultivado um gosto pela vida. Quando seu corpo e seu espírito tinham os mesmos desejos e os mesmos objetivos, enfim, de como a vida poderia ser e não era. E é precisamente aí, neste lapso de tempo, que a pessoa embarca na escada rolante e passa pelo velho cuja única alternativa é pedir esmolas. Mas ele nunca consegue; os joelhos já não respondem, bem como a voz, e tudo o prende nessa mímica imbecil que tem como resultado a visão das pessoas rápidas que sobem pela escada. E este processo se multiplica várias vezes e a cada dia só aumenta a consciência da diferença da velocidade do velho para com a das pessoas e da escada rolante. E a cada pessoa, nova tentativa alimentada por uma esperança estéril que o torna mais bobo e desnecessário ali.

E o que é a angústia senão essa soma de propriedades inegáveis; a consciência de uma esperança da qual nada brota, a dependência de algo que o esmaga e a impossibilidade tanto de se livrar quanto de se resignar.


Marc Soitraeil, Sob a Égide de Tártaro


 
4.1.06
  ::: MEMENTO MORTIS :::

"... ele, como uma lâmina solitária e sempre vibrante, destinada a ser quebrada de um só golpe e para sempre, pura paixão confrontada com uma morte total, sentia hoje a vida, a juventude, as pessoas lhe escaparem, sem poder salvá-las em nada, e abandonado apenas à esperança cega, que essa força obscura que durante tantos anos o tinha sustentado acima dos dias, o tinha alimentado sem medida, sempre a mesma nas mais duras circunstâncias, iria fornecer-lhe também, com a mesma generosidade incansável que mostrara ao lhe dar suas razões para viver, as razões para envelhecer e morrer sem revolta."

CAMUS, Le premier homme

 
30.11.05
  "Se o que S. A. Kierkegard diz é verdadeiro, existir realmente - e não como o fazem nas feiras, nas praças e alguns até na Academia - é muito mais complexo do que pensar abstratamente. Pensar abstratamente, todos pensamos até sem o sabermos. Abstrai-se da realidade quando se projeta adiante no tempo, no cálculo das possibilidades e nas maquinações das escolhas; contar moedas é um grande exercício de expulsar-se da imediatez! E pensa-se: Eis aqui algo grande! Mas existir radicalmente, a ponto de perceber o perecer a cada piscar de olhos sem poder furtar-se à vertigem ultrapassa qualquer um desses castelos de cristal. Então, agarrar-se à vida pressupõe uma força de espírito quase inaudita, que encontra referente apenas em outras igualmente sublimes e arrebatadoras. Aqui entende-se, sem dificuldade, o que quero dizer... Ou refugiemo-nos nos Sistemas e esqueçamos o pulsar do sangue nas têmporas."
Marc Soitraeil





 
25.11.05
 
"A existência é a síntese imediata da reflexão-em-si e da reflexão-para-outra-coisa. Ela é por conseqüência a massa indeterminada dos existentes."
HEGEL, Enciclopédia, par. 123


"Penser l'existence sub specie aeterni et abstraitement, c'est essentiellement la supprimer ...Si je la pense, je la supprime et ainsi je ne la pense pas. Il pourrait donc sembler exact de dire qu'il y a une chose qui se refuse à la pensé: l'existence. Mais la difficulté reparaît: l'existence rétablit la connexion, du fait que le sujet pensant exist."
KIERKEGAARD, Post-Scriptum.





 
«Il n’y a pas d’amour de vivre sans désespoir de vivre.» Albert Camus, L'Envers et l'Endroit

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